segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O meu Drummond

O meu Drummond
O Drummond bagunçou as coisas. Bagunçou as palavras com tamanha maestria, que parecia que estava sempre tudo muito organizado. A palavra certa. A medida exata. O Drummond nos bagunça, nos inquieta. E por isso se lê Drummond como se tomasse uma daquelas taças de vinho: degustando as palavras, revirando as palavras, revolvendo as palavras, cheirando-as, mesmo que, a princípio, o cheiro não agrade (quem disse que era para agradar?). Cada vez que eu rasgo as letras drummonianas com os meus globos oculares, tenho a leve impressão de que eles começam a girar, buscando a raiz do verso irônico e dúbio, o sarcasmo do conceito amplo, a pedra que insiste em estar no meio do caminho. Drummond desconstruiu a palavra quando entortou as suas asas. Agora, entorta quem o lê.
Vez ou outra nascem de atropelos, pedreiros das palavras. São mesmo mestres de obra. E com pincéis velhos de tantas letras, esses, que tem sempre o lado oposto do lado que a gente pensou, nos mastigam, nos devoram, nos instigam e, sem muita cerimônia, se isolam. Escrevem em um gostoso revolver; e a gente lê, lê sem perceber que leu mais de uma vez, em um saboroso revistar, em uma espécie de novo vocabulário, sem um alfabeto, e sim com vários. E nos fazem remoer a letra como uma coceira na garganta. Fazem-nos pensar, nos fazem ser gauche.
Por certo, é certo que são vários Drummond, como os Fernandos de certo Pessoa. São poucos que nós conhecemos, muitos que temos em nós. Conceitual, moderno, político, pacifista; reservado, confuso, difuso, socialista. Simbiose de um século que se arrastou entre o discurso e a prática, entre a paz com armas e o grito das almas. O meu Drummond é torto. Torto por vocação, entortando o que está fora do gosto e o que é gosto da multidão. O Drummond é muito em um só conto; são tantos em um refrão. Por isso eu vivo a revisitar meus comprimidos drummonianos; mesmo que a dose não seja prescrita, eu continuo me medicando.
Assim também sou dado às palavras, mesmo que não seja para uma futura publicação. É a minha dose de gauchismo, minha pedra no chão. O meu caminho entorta a reta quando eu leio o filosófico poeta que, descrente de provável solução, incomoda com as letras, para não se acomodar em um colchão. Para não morrer de boca aberta, para não tropeçar nas próprias mãos.  Melhor ser torto do que reta. Melhor ser sujo do que se sujar de retidão. Por isso sou gauche, por isso vivo no signo do não…

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