quarta-feira, 29 de abril de 2015

Eu e tantos outros

Eu e tantos outros
Com os pincéis do improviso
Eu risquei céu colorido
Coloquei algo a mais no seu porta-retratos
Fiz a mistura do prato
Porque é quando a gente cria
Que a gente vira a gente
De fato!

Com as canetas da inconsequência
Mergulhei o elefante
Fiz voar o tubarão
Enchi de fé o descrente
E ironizei o perdão
Porque eu só me sinto meu
Quando me vejo ali
Esparramado em folhas pelo chão

E com os papéis da conversa
Lancei-me para além do tempo
Além de mim
Freei a pressa
Dei ao não a beleza da resposta
Que muitas vezes só cabe ao sim
Porque os outros são o eu que não está em nós
O eu que estará em nós
Mesmo depois do nosso fim

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Urbis

Urbis
O barulho do trem
Esse vai e vem
A moça com a pipoca estourando
O caminhar de tantos
Dezenas de cem!
E outros tantos mais

O tilintar dos passos
Percalços
Ruas e calçadas
Ninguém sabe muito bem
A sirene
O sereno
A noite que cai
O improviso está nela também

A cidade é essa obra inacabada
Espaço de nenhum em tantos nós
Que acorde e dorme
E nunca se satisfaz
Espaço do desencontro
Para que o trem carregue tantos mais...

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Tristeza

Tristeza
Fez barulho
E foi tão alto
Que parecia ser silêncio
E virou engodo
Embrulho
Sofrimento
Um grito oculto
A voz que vem de dentro
O fruto que não está maduro
Momento

Fez seresta
A boa festa
Um canto meu
E seu também
Fez como se fosse hoje
Amanhã já não presta
Para ser isso
Precisa ir além
Ser curva reta

E fez frieza
Uma bravata
A desatar gravatas
Dos pescoços entrincheirados
Onde cabeças se olham
E olham
E não enxergam
O que está ao lado

Porque a tristeza é isso tudo
Nada em si
E nada mais
A tristeza é a certeza
De que somos mortais

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Poetólico confesso

Poetólico confesso
Encontro espaço
Para colocar palavra qualquer
E me desfaço
Numa vontade que não é minha
De ser frase qualquer

Sou pedaços
De um texto sem rimas
Sem compassos
Escrever me desenclavinha
De uma dor qualquer

Sou linha
Que não termina e nem cabe
Em caderno algum
Sou ponto e vírgula
Sou texto nenhum
Poesia
Da cabeça aos pés...

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Balbus balbum intellegit

Balbus balbum intellegit
O silêncio é um barulho
Que deflagra a inquietude
É o embrulho no estômago
É a ausência em sua plenitude

É bola chutada que não volta
Oi sem “oi” como resposta
O calcanhar das costas
O não que todo mundo quer

E diante de tantos chiados
Em frequências infrassonoras
Fico eu entediado
A pensar
Que falta faz um dedo de prosa!

São esses tempos
Esses tempos
De comunidades virtuais
Que salivam a boca da gente
E a gente nem fala mais...

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Casa Memória

Casa Memória
Vivo ali
No livro que está na prateleira
Na casa velha e com goteira
No botão de rosa
Que desponta no jardim

Vivo ali
Na rede velha e carcomida
Na luz que oscila e retinta
O cômodo que não cabe em mim

Vivo ali
Nas memórias de menino
No que há de mais pequenino
Na experiência sem fim

Vivo ali
Nos olhos da descoberta
Na certeza de que não existe resposta certa
De que ninguém vem pronto e definido
De que é lindo e divino
Ter o erro como descoberta

A vida nem sempre é reta
E nas curvas eu encontro você

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Pagotto Malos(s)o Villioti Ramos

Pagotto Malos(s)o Villioti Ramos
O tempo nos faz seco
Papéis carbonizados
A se despedaçar pelos cliques do relógio
Em um compasso desajeito
Quiçá indelicado

Nos leva quem chegou hoje, antes ou depois
E nos distancia por caminhos e vielas
Faz a vida ficar magrela
Se não tiver a mão a enroscar na nossa
O dedo de prosa a desatar fivelas

O tempo faz troça
E faz a gente querer voltar a se sujar
Sem culpa
Sem pedir desculpas
E mostra que não está para retrucar
Faz o que deve ser feito
E disso se satisfaz

Eu tenho medo
Não vou mentir
Não das rugas e nem das verrugas
Mas de não perceber
Que eu preciso ter o tempo

Para me sentar
Que seja todas as tardes
E escrever
Sobre as pessoas na minha vida
As coisas que vejo da janela
O abraço do amigo
A arte de preencher panelas

Encontrar o tempo
Para me molhar de amor
Regar de esperança os meus olhos
Ser mais simplório
Talvez menos incapaz
E dizer
Olhando, no fundo dos seus olhos!
Que existem imensidões maiores que a do tempo
Gigantes universais

A esses
Nem mesmo o tempo será capaz de apagar
Nem mesmo ele!
Nem que se faça vento
Nem que seja tempo demais
Esses gigantes
Que o homem aprendeu a chamar de pais

sábado, 4 de abril de 2015

Chapéu mundo

Chapéu mundo
A cabeça é minha
Mas as ideias
Elas são do mundo
E, mesmo que por um segundo,
As tomo para mim
E faço o céu ficar escuro
O chão amarelar
Crio asas e desbravo tudo
Ponho-me a soluçar
Porque escrever é
Antes de qualquer coisa
Ser do mundo
Para que o mundo não se esqueça
Que você já esteve
E que sempre vai estar
Nas ideias
Nos muros
Casas e chapéus
Na cabeça de tantos outros
A girarem no tempo-carrossel


quinta-feira, 2 de abril de 2015

A mão de todos

A mão de todos nós
Antes de o menino apertar o gatilho
Tem o professor que não foi dar aulas
O médico que não estava para atender
O prefeito que não construiu novas escolas
Eu e você!
Que assistimos passivos à reprodução
Do mais do mesmo
Fingindo não nos pertencer

Antes de o garoto puxar o gatilho
Tem o discurso pútrido da “democracia”
A parte,
que por vezes se faz o todo
Onde ninguém assume a tragédia que se anuncia
Sustentados na mais perturbadora das ideologias
Fingindo não saber

Antes de o menor puxar o gatilho
Tem a negativa,
Que se faz mais forte do que o direito à inclusão
Tem também a dor da fome
A casa que nunca foi casa
Um vazio maior do que a solidão

Ninguém nasce para ser nada
E o dedo do menino que esquenta a arma
Antes e também carrega a carga
Das mãos de toda essa multidão...

quarta-feira, 1 de abril de 2015

“Alenthus nunca mais”

“Alenthus nunca mais”
Ando meio intempestivo
A cabeça rápida demais
Nessas horas os papéis são meus amigos
E logo escrevo e repito
“Alenthus nunca mais”

Ando absorto e transitivo
Como um verbo que se desfaz
Mas, pode crer
Estou decidido
Serão novos os carnavais
Por isso digo e repito
“Alenthus nunca mais”

Nessas horas é que sou mais irônico
Em uma espécie de exercício mordaz
Onde os ouvidos são discos
O doce amarga e não satisfaz
Por isso eu instinto
Penso, digo e repito
“Alenthus nunca mais”

A conta de que eu estou vivo
É o ronronar da minha cabeça incapaz
De aceitar o que eu não sigo
E aceitar o que não se faz
Daí, eu sento e rabisco
Nesses papéis virtuais
Minha carta de alforria
UM GRITO INCONTIDO
“Alenthus nunca mais”