Vovó
Virgínia
Muitas foram às vezes que me assuntei com a minha avó
Virgínia para falar de coisas que eu nem sabia ainda que estavam por vir. E no
meio de cada palavra pequenina que ela dizia, ouvia minha avó acontecer! Se
abrir, como quando a gente abre um livro e se põe a ler. Minha avó pintava panos
de prato. E tinha flores em quase todas as suas roupas. Um livro ser!
Lembro-me bem do jeitinho menina da minha avozinha, e das
histórias que contava do seu tempo de moça. Lembro-me quando ela me disse de um
dia que ficou enovelado por tanta fumaça que existia na olaria. E de como era miudinha! E de como
tossia. E do medo que tinha do que viria a ocorrer. Às vezes eu percebia que
minha avó tinha medo de morrer.
Lembro-me de ter assuntado com a avó Virgínia sobre o que
eu queria ser. E ela ouvia, sem muito dizer. Devia é mesmo pensar: "coisas
de menino. Com o tempo haverá de amadurecer!". Minha avó Virgínia, das
tintas e dos pincéis. Ela guardava meus papéis, poesias que escrevi, sem ao
menos eu ainda nem saber segurar na caneta. Minha avó era meio um planeta. Desses onde
habita a certeza de que a vida é leveza diante da rigidez temporal.
Muitas foram às vezes que me sentei próximo à minha avó.
E passava os desatinos das minhas tardes de menino sem perceber o quanto a avó
da gente está para nós como os momentos mais felizes que a gente pode ter. Curtos,
intensos, partem sem a gente querer.
Dessas coisas que escrevo, desse jeito que eu sei
escrever, muito da vovó Virgínia está nos meus verbos e versos. Tanto, que eu
nem dizer. Hoje, sou homem com alguns cabelos brancos, vovó, nessa alva
calvície que insiste em crescer. E lembro-me, no silêncio do meu pranto, o
quanto eu pude curtir você. Assuntando assentado ao seu lado, nesse conjunto do
pincel com o pano de prato. Ai de mim se não houvesse avó Virgínia para eu
aprender. Ai de mim! Talvez hoje o papel não estivesse tomado de palavras e
lágrimas. Talvez eu não estivesse tomado dessa vontade de dizer...
Vale a pena, tem que valer! Tem que valer!