terça-feira, 24 de outubro de 2017

Vovó Virgínia

Vovó Virgínia
Muitas foram às vezes que me assuntei com a minha avó Virgínia para falar de coisas que eu nem sabia ainda que estavam por vir. E no meio de cada palavra pequenina que ela dizia, ouvia minha avó acontecer! Se abrir, como quando a gente abre um livro e se põe a ler. Minha avó pintava panos de prato. E tinha flores em quase todas as suas roupas. Um livro ser!
Lembro-me bem do jeitinho menina da minha avozinha, e das histórias que contava do seu tempo de moça. Lembro-me quando ela me disse de um dia que ficou enovelado por tanta fumaça que existia na olaria. E de como era miudinha! E de como tossia. E do medo que tinha do que viria a ocorrer. Às vezes eu percebia que minha avó tinha medo de morrer.
Lembro-me de ter assuntado com a avó Virgínia sobre o que eu queria ser. E ela ouvia, sem muito dizer. Devia é mesmo pensar: "coisas de menino. Com o tempo haverá de amadurecer!". Minha avó Virgínia, das tintas e dos pincéis. Ela guardava meus papéis, poesias que escrevi, sem ao menos eu ainda nem saber segurar na caneta. Minha avó era meio um planeta. Desses onde habita a certeza de que a vida é leveza diante da rigidez temporal.
Muitas foram às vezes que me sentei próximo à minha avó. E passava os desatinos das minhas tardes de menino sem perceber o quanto a avó da gente está para nós como os momentos mais felizes que a gente pode ter. Curtos, intensos, partem sem a gente querer.
Dessas coisas que escrevo, desse jeito que eu sei escrever, muito da vovó Virgínia está nos meus verbos e versos. Tanto, que eu nem dizer. Hoje, sou homem com alguns cabelos brancos, vovó, nessa alva calvície que insiste em crescer. E lembro-me, no silêncio do meu pranto, o quanto eu pude curtir você. Assuntando assentado ao seu lado, nesse conjunto do pincel com o pano de prato. Ai de mim se não houvesse avó Virgínia para eu aprender. Ai de mim! Talvez hoje o papel não estivesse tomado de palavras e lágrimas. Talvez eu não estivesse tomado dessa vontade de dizer...
Vale a pena, tem que valer! Tem que valer!

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Preciso escrever mais sobre você

Preciso escrever mais sobre você
Hoje é tão cedo
Nem deu tempo de amanhecer
A gente está aqui já faz um tempão
De verdade, o que de melhor pode haver?

Chego mesmo a pensar
Que o passado é um prato
De que se serve o presente
Sem medo de não se satisfazer

Nesse paladar conjugado
É mesmo a gente
Só pode ser
E entre um verbo e outro
Eu percebo
Que preciso escrever mais sobre você...

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Reticências

Reticências
Não posso cair
Não agora
Está tudo tão confuso
Tem mais alguém lá fora?

Eu mesmo que fiz o embrulho
Desculpe, foi de última hora
Ainda está tão escuro
Você vai mesmo embora?

Velaste-me enquanto eu ainda vivo
Esteve aqui, e sem demora
Levaste-me consigo
Para onde o esquecimento mora

É tudo tão bonito
Feche os olhos e abra as portas
Ninguém houve esse chiado
Ninguém realmente se importa

domingo, 15 de outubro de 2017

Calma... Uma hora acaba

Calma... Uma hora acaba
Sou página de livro
O todo não cabe em mim
Já há traças comigo
Anunciando meu fim

Vou morar sozinho
Na casa de um cômodo só
Deitado e retinto
Serei pó

Sou apenas um risco
Nem mesmo uma palavra
A filologia do meu nome
É prenúncio de coisa errada