domingo, 9 de setembro de 2012

Café coado

Café coado
Eu me levantava, caminhava até a sala e esperava o sono passar. E o sono não passava, a vontade de dormir voltava (na verdade, ela continuava). Sonado, eu ressonava, fingia levantar. Mas não poderia deixar o sono me vencer. Adversário cruel, não dá trégua e nem descanso. E mesmo assim eu me levantava.
  Esquentava a água, media a quantidade exata de pó, adicionava a açúcar, coava. E o cheiro tomava conta, espantava o frio, golpeava o sono, meu súbito momento viril. E eu temperava a manhã com um adocicado aroma, criava coragem onde antes havia a vontade de não se fazer nada. Por certo, o café me ajudava.
  Mas a mesa não era exclusiva da cafeína. Entre enfeites e quadros, tinha espaço para mais alguém. Espaço para um vidro com biscoitos, papéis e anotações quaisquer. E quando o relógio completasse mais um quarto eu iria sair. Pronto, o sono enclausurou-se, fez silêncio em mim.
  Quantas vezes nos levantamos sem levantarmos nossas xícaras de café? Mecânicas formas de renascer, o óleo da minha engrenagem só poderia ser o café. Há outros aditivos, por certo. Mas a combustão só se dá pela proteína do líquido que escorria viscoso pela minha garganta nas auroras, nas minhas manhãs.
  E eu ia, carregava projetos, apertava os passos, não ouvia os de perto. Só pensava em chegar, iniciar o ciclo da sentença existencial. E o dia voltava e se revoltava em mim, como um agulhão, me cutucava e eu pedia o fim. Amanhã tem mais.

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