sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Os gostos do mês de Agosto

Os gostos do mês de Agosto
Um hálito seco
Bate na minha janela
E a noite fica fria
Em um prelúdio da primavera
Com sabiás que cantam
E dias
que mais cedo se levantam
E um tanto de mim
Começa a planejar
E pensar
“O que farei no próximo ano?”

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Carta para os meus pais

Carta para os meus pais
Cada um de nós é o resultado da união. De duas mãos coladas numa mesma oração! Coisas do coração!
(Coisas do Coração – Cláudio Roberto, Kika Seixas e Raul Seixas)
No silêncio da independência, iluminada pelo candelabro do tempo, está lá, no cheiro inconstante das ruas e calçadas que atravesso, dentro dos versos que escrevo e das coisas que penso e projeto. Dentro do ritmo frenético dos meus dias, da amplitude das possibilidades de uma manhã. Mesmo no descortinar das asas dos pássaros e aviões, dos fins, sem meios e inícios. Dos começos sem término. Está lá, vivo, presente, em mim.
Então tudo começa com uma coleção de perguntas, como a sensação de que algo caiu e talvez não dê mais para alcançar. Que o sapato que foi dado a mim não vai mais servir, que não irá mais  no meu pé entrar. Crescer é aperto, devaneio que demora a passar. Perfume que deixa cheiro, vontade mesmo é de chorar. Pequeno-receio. Grande? Angústia…
Então me pergunto, na dúbia proposta de ser mais e além, buscando talvez respostas de coisas que ainda não sei, que só mesmo os pais da gente conseguem consertar, contestar, fazer diferente. E de repente, sem mais motivo e explicação, a gente sente que a nossa parte é sentar e ouvir com olhos, bocas, mãos… Ouvidos. Somos a possibilidade, diante das incredulidades que nos cercam. Somos a concretização de um projeto a dois, das coisas que não tinham até então forma diante das muitas formas da vida. Somos o resultado da mais saborosa das canções. Somos a continuidade.

Razão

Razão
Pode não ser nada
E a gente espera que seja tudo
Não apenas nuvens
Nada de nuvens passageiras
Pode não sobrar nada
Mas queremos que fique inteiro
Que seja mais completo
Janeiros a dezembros
Pode ser um segundo
Mas que seja um ano
Séculos e milênios
Todos os dias
O que não pode ser
O que não podemos permitir
É partir sem dizer
AMEI!!!




Meus muitos pés

Meus muitos pés
Minha mente é centopeia
Minhas vontades são atropelos
Meus desenhos, devaneios
Eu finjo ser marinheiro
No oceano das palavras
algumas que desconheço
Sempre sobra mais uma folha
Aí, de novo, escrevo
Meus pés são as mãos
No caminhar tortuoso
do poema na linha reta…

Um gole de café

Um  gole de café
       - Me passe o café – assim falava meu pai
       O café das nossas manhãs, na posta mesa das incertezas, nos goles secos das noites mal dormidas.
       E a xícara serpenteava pelas nossas mãos, o elo do líquido que vai ser engolido e a fatídica existência. E se o café esfria?
     Então, quase sem pensar, passava o bule, olhava o relógio, mergulhava no ócio que nem a cafeína é capaz de combater. E se o café não estiver adoçado?
      Os suicidas que me perdoem, mas a existência não é líquida… É apenas volátil, desmedida e disfarçada… Como os goles de café pela manhã, mesmo que os nossos bules não passem por tantas mãos.
       E assim era todo dia, no frenesi quase inconcebível das nossas poucas conversas, momentos em que as xícaras se esvaziavam, acabava-se o esfumaçar em nossas bocas. E, antes que notássemos, éramos como as xícaras… Sem mais nada a brindar…
       Existência, como um gole a mais. E nada pode ser mais frio que os cafés escorrendo pelas nossas reentrâncias, condenando-nos a levantar e brindar mais um dia.
       E a mesa permanecia lá, palco do caos, da pouca distância e da imensa falta de presença, como as xícaras que ainda permaneciam vazias… Apenas brindavam o óbvio.
       Por que você nunca me pediu a mão, entre verbos e transgressões? Quem sabe se estou a alguns segundos de brindar o acaso? Sorte que me apanho escrevendo, preenchendo outras xícaras… Cheias do meu café amargo...
- Por favor, um gole a mais...

Tardes com o André

Tardes com o André
É necessário ter fé
E ver um pouco mais além
Mesmo que a gente não consiga colocar no painel
A gente sabe que faz
E faz muito bem
Afinal,
ninguém dorme com o barulho do outro
Somos o som do nosso esforço...

Linha, palavra...

Linha, palavra...
Sou os meus versos
E acabou
O que posso fazer?
Sou meus versos
Sou e apenas sou
Conjugando verbos
Com sujeitos incomuns
Em uma porção de tantos cadernos
O medo é de que não sobre mais nenhum....

Meu outro poeta

     Meu outro poeta.
   Arrumei-me. Era o primeiro dia que me dispunha a andar. Destranquei a porta do quarto e deixei o vento entrar. Esperei, espiei pela fresta, vi o meu irmão passar. Fechei a porta. Observei pela fechadura. A loucura da minha presença.
    O corredor de novo vazio, a sensação de liberdade. O estampido do meu desejo no giro rápido do tambor. Onde estão os meus chinelos? Meus pés estão frios e secos. Eu beijo o chão com uma saliva podre e seca. Depois caminho… pelo quarto.
   Volto à porta. Destranco a fechadura, destravo o meu passo… Corro para um canto… Um canto do quarto. Quero sair, não consigo. Começo a escrever. Meu caderno rabiscado… A vontade é de queimar todas as folhas. Não me empresto para meus colóquios, metáforas malditas de um final tão arriscado: sair ou não do quarto.
  Começo a contar, a descontar os meus medos. Rabisco meus retratos, me ponho cheio de defeitos… E viro a chave… Quantas vezes for preciso. Escondo todos os livros, me escondo sem saber… Rasgo os meus versículos, nada pode crescer, meu desejo só se esfrega em mim, apontado pelo ferro no tampão dos meus minutos. E corro, curto espaço, na direção do absurdo.
  Deito no chão, macilento, corrompido por mim… Algo cancro, sem futuro, me mastigo como um verme. No cadafalso de meu quarto condeno-me sem juiz. Mas a parcimônia é algo tosco, enviado por ninguém… E rasgo todas as minhas roupas… Rasgo-me também.
  Então acordo, desperto… Sem saber o que começou, desço da minha cama e vejo os dejetos de meus verbos picotados em um caixote… Livro-me do meu caderno… jogo-o pela janela… os inúmeros desertos dos meus dias voam livres pelas calçadas e ruas… e tranco logo a janela. 
  Caminho mais um pouco, beijando o absurdo, a psicose das minhas letras e as passadas de meus segundos… certamente, agora sim, me livro em um barulho… o quarto faz silêncio… escuta a matéria sem alma… arrasto a minha chinela com gotas de fartura na cara… Me safei de mim mesmo… O gatilho canta… E para!

Minhas asas

Minhas asas
O que são os meus versos?
Todas as minhas letras?
Nada mais do que devaneios
De uma alma a vagar
pelo traço da caneta
Nas asas dos verbos
Nos poemas-cometas
Dando-me asas
No retângulo-céu
Do papel sobre a mesa…

Meus desenhos na parede

      Meus desenhos na parede
    Pego a minha caneta, uma velha que eu tenho, vejo o branco da parede e começo um desenho. Mania doida ou precaução? …o espaço vazio é perigoso… lembra a solidão. 
   Meus desenhos são desconexos, não reportam ideologias, fragmentos, todos septos, coisas do meu dia. Então desenho e escrevo… Depois largo a caneta… A parede, antes vazia, agora se completa na complexa lógica festeira, de rascunhos ou retratos, desenho céus e rostos… A moça que me viu, o trem que já passou… As paredes preenchidas… E eu fico parte dela.
     O engraçado é pensar que o desenho que eu fiz não obedece a uma moldura e nem métrica artística. Está lá e já faz parte, como a porta e o relógio. Como a luz do sol que bate na parede do meu quarto, o desenho se esquece… Adaptação na fria cal das paredes, o retrato ou rascunho, todo dia, nada mais cabe… vou pintar a parede.

Quando chove...

Quando chove…
Quando chove
É Deus lavando coisas e pessoas
Molhando árvores, flores e folhas
Alimentando-as da essência
E silenciando ruas, cidades e residências

Quando chove
É Deus sorrindo
Com o sorriso
de quem tanto esperou
A chuva cair
Levando a poeira
Para voltar a ser terra
E fazendo a Terra
Voltar a parir

Quando chove
Sinto vontade de escrever poesias
Sob o manto do divino
A molhar meu rosto e camisa
Hoje choveu

Sou humano

Sou humano
Sou uma espécie de candelabro
Que acende e apaga
Diante de qualquer brisa sorrateira
Sou chuva no inverno seco
Folhas secas na primavera
Sou mazela
Agulha de tricô
Em um tecido de algodão
Um enjoo de mulher grávida
A culpa sem perdão
…Sou humano…

Na calçada da minha casa

Na calçada da minha casa
Mateus, onde está você?
Vamos jogar bola
Meus chinelos são as traves
E o destino é o juiz
No colorido das casas
Eu pintei meu arco-íris
Onde caiu a pipa?
Entre telhados e casas
Procurei atento e aflito
A infância é um sopro
A solidão é o infinito
Eu adoro subir em árvores
O céu fica mais bonito
Eu pinto de verde a minha rua
A calçada da minha casa
E tudo fica mais bonito...