Mundo Solidão
Lugar nenhum e todos eles, 16 de outubro de 2013.
Estimado
Luis Paulo
A
quantas anda? Fiquei feliz em receber sua carta e de saber sobre os novos
projetos que almeja colocar em prática. É necessário mesmo não deixar as coisas
caírem no vazio. Eu mesmo ando escutando umas coisas e me pego a pensar que
vivemos em um mundo “tubo de ensaio”. Cada um com a sua mistura, dentro da sua
casa laboratório. É estranho. Seja
porque nunca fomos tantos (mais de sete bilhões de bocas). Seja porque nunca
encontramos tanta facilidade em falarmos uns com os outros. Bem que você dizia:
“não se conhece o sabor da fruta olhando para a sua casca”. Do mundo só sabe
quem vive nele. Dentro dele.
Conto
um acontecido, fato que escutei hoje mesmo. É coisa pequena, ligeireza, não
mais do que vinte, trinta linhas.
Fui
comprar algumas coisas no mercado. Sai com um livro nas mãos. É que é em dia de
feira metade mais um da cidade está caminhando entre as gôndolas do mercado,
analisando preços, discutindo coisas tantas. Pensei: “a paciência é a virtude
do cliente de hipermercado em dia de preços reduzidos”.
Mas
então algo surpreendente ocorreu. Não havia quase ninguém, ninguém mesmo. Era
visível que até as atendentes dos caixas esperavam clientes chegarem com seus
carrinhos abarrotados de compras. Dei-me ao luxo de caminhar um pouco além do
previsto pelos corredores daquele mundo de produtos. E pensei “nem vou precisar
abrir o livro”. E, de fato, não precisei. Coisa estranha.
Aproximei-me
de um caixa, coloquei as compras sobre a esteira e dei início a uma conversa
com a moça que iria me atender. De pronto, indaguei a funcionária...
-
Nossa, está tão vazio aqui hoje. Há algum motivo?
-
Tem não. Tem dia que enche, tem dia que não vem ninguém. Parece que as pessoas
combinam.
-
É, parece mesmo. Mas eu nunca peguei o mercado assim. Sempre vim e me deparei
com filas consideráveis.
-
Ah, tem dia que é assim mesmo. Tem gente que vem quase todos os dias,
praticamente nos mesmos horários.
-
Sério? – perguntei curioso – Qual seria a razão?
-
Ah, tem gente que vem tomar café, outros contar sobre a vida. Um mesmo vem
paquerar... É a solidão, né?!
-
Paquerar?
-
Isso mesmo. Certa vez indaguei um senhor do por que dele vir todos os dias ao
mercado. Às vezes, ele comprava um salgadinho e ia embora. E ele, de pronto,
respondeu: “venho paquerar!”.
Sabe
Luís, sai do mercado pensando na história desse senhor. Realmente, vivemos
tempos diferentes. Gente precisa ver gente. Sempre foi assim. Só que hoje em
dia a praça é o mercado lotado. Antes, era banquinho na frente de casa, dedo de
prosa com o vizinho. Hoje é mais porta fechada. É desalinho.
Mas
que a gente tem o costume de ser só a gente quando enxerga o outro, isso é
verdade. Nem dá para mudar. Que graça tem em ser palmeira sozinha em uma ilha no
meio do oceano?
Terminei
a conversa com a simpática moça, pus as minhas coisas na sacola e segui
rapidamente para casa. E me pus a pensar: “nem sabia que o hipermercado vendia
antídoto para a solidão”. Coisa estranha, não é mesmo? É o mundo de hoje. Mundo
Solidão!
Abraços e votos de felicidade e saúde,
P.