Antes
do Papai do Céu chamar
Foi conversa de canto de mesa, nem papo cabeça, nem prosa
para o tempo passar. Foi mesmo a vontade doida de falar de tantas coisas, do
tempo que foi e não mais vai voltar. É que nem aquela sobremesa, sobremesa que
só a avó da gente sabe preparar. Ela pode deixar a receita, mas é só na casa
dela que a gente vai encontrar.
- Então, o que você mais gostaria de fazer se soubesse
que amanhã o Papai do céu iria te chamar?
- Nossa, tantas coisas passam pela minha cabeça. Você tem
papel aí para anotar?
- Cabe tudo em dia? Porque se não cabe, nem adianta
falar.
- Então, eu só teria mais um dia, um dia antes do “dia”
chegar?
- Sim. E não adianta querelar. Decida-se! Vamos, trate de
falar!
Pensei, puxei a xícara para o meu lado. Senti o cheiro do
café, fiz despertar lembranças. É necessário chamar a criança que existe na
gente para responder a uma coisa dessas. A gente cresce nas memórias das nossas
infâncias. Somos resultado de um baile de pernas que se encompridam e de um
tempo que parece nos sufocar.
- Me encontraria com os meus irmãos, pediria para minha
mãe preparar coisas que a gente não enjoava de degustar. Arranjaria uma caixa
de papelão, daquelas que embrulham geladeira, iríamos para a beira da escada.
Escorregaríamos. E nos cansaríamos de tanto brincar.
Depois, sentaria com o meu pai. E contaríamos da vida e
do tempo que se foi, do que é, e do que vai chegar. E o ouviria dizer (porque
pai diz isso) “quando eu tinha a sua idade...”. E saberia reconhecer que é das
lembranças que um pai conta para um filho que a vida não termina, mesmo quando
ela insiste em acabar. E beijaria meus primos, meus amigos, minhas tias. E diria
para a minha mãe o quanto a amo e como ela é linda e como me faz acreditar.
E depois de tudo isso, e como se sobrasse muito tempo
(porque sempre dá tempo), iria até os braços da minha avó, pediria aquela
sobremesa e deixaria sobre a mesa uns versos para ela nunca se esquecer do quanto é
lindo sentar-se ao seu lado.
E no final, e junto, como junto estou, pegaria nas mãos da
minha companheira e diria. “Vamos! O tempo é nosso! E o tempero é o amor!”. E
sempre dá tempo para amar... Agora sim, Papai do Céu: pode me levar!