Pisando nos formigueiros
para a minha mãe, que sempre
me deixou andar descalço.
Vamos combinar, viver é algo extraordinário.
Falo isso porque às vezes me voltam coisas na memória que me fazem pegar o
papel (o primeiro que eu encontrar), sentar e escrever. Escrever sobre viver,
sobre a vida, sobre essa coisa maluca de ser. Ser o que, eu não sei... Mas ser
já está de bom tamanho. E as folhas se tornam meio que um diário de folhas
soltas e esparramadas. Meu diário sem capa.
E das muitas coisas que voltam a minha
memória, muitas delas são lembranças da minha infância. E nem sei o porquê
disso ocorrer, o porquê de tantas lembranças desta fase da minha vida. Até
porque, se formos colocar em uma linha do tempo, a infância é tão pequena que
chega a ser momento. Mas é sublime, é lindo... É descobrimento.
E uma das coisas que lembro me é de como
queria ser outros seres. Pássaro, gato, formiga. Nossa, já quis ser formiga!
Daquelas pequeninas, que parecem carregar o mundo nas costas. Que tropeçam nas
reentrâncias dos nossos dedos e procuram a porta... Daquelas que a gente só vê
se estiver com o olho atento, procurando algo, não necessariamente a formiga. E
a gente olha para os nossos pés, bem embaixo da nossa sombra, e grita: “olha
gente, VIDA!”.
Dos formigueiros que desbravei com aqueles
capins-cabelo, daqueles que quando a gente puxa parece sair o formigueiro
inteiro, uma coisa sempre me fascinou, me deixou tentando procurar resposta.
Aviso, não me julgue idiota. Eu me maravilho com determinadas coisas mesmo. E
acho que elas guardam certo tipo de segredo que a gente só descobre depois que
morre, quando senta para perguntar para Deus. Perguntava-me quantas vezes as
formigas reconstruiriam o formigueiro que o meu pé desatento fez questão de
pisar. Quantas vezes elas iriam sair, e sem demora, recomeçar? Pedra sobre
pedra, no exercício poético de que amanhã outro pé, não necessariamente o do
Pedro, vai pisar. E daí, o que resta? Colocar tudo de volta no lugar.
E eu ficava pensando que aquele seria o
exercício que legitimaria a vida, que torna a formiga, formiga. Ela não pensa
se amanhã haverá outro pé igual ao meu sobre o seu formigueiro. Por isso ela
faz para ser perfeito, para durar, ficar inteiro. E assim, utilizando talvez a
filosofia da formiga, devêssemos enxergar os nossos dias. Reconstrução, seja
das coisas que caíram, seja daquelas que pisamos ou pisaram em cima. E não é
uma questão de rima, mas a vida carrega essa obra-prima: a possibilidade de
refazer e fazer de novo.
Por isso, e talvez só por isso, viver seja
tanto, apesar de aproveitarmos tão pouco. É o estender a mão, abraçar o outro,
demonstrar gratidão, perdão, descobrir-se ainda não estar pronto. E pronto
tentar refazer. Eu quero um dia nascer formiga. Assim, saberei das coisas que
os gigantes, que porventura pisarem na minha casa, adoram fazer.