quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Ciclos e permanências


Ciclos e permanências
Há pedras que o rio não leva
Curvas que jamais serão retas
Recados que não sairão da porta da geladeira

Há dias que não terminam
Semanas que parecem não acabar
Dores que não somem
Escondem-se
E alegrias que insistem em ficar

A vida é mesmo estranha
Não sei melhor definição
A permanência
Nas intermitentes passagens
Por esta dimensão...

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Na portaria


Na portaria
Foi meio que por acaso, daquelas coisas que tem de acontecer. Tinha parado de chover e eu decidi fazer o que era necessário. E entre o abrir e fechar o portão encontrei alguém. Eu sempre encontro alguém. Mas dessa vez foi diferente. Foi diferente.
E começamos a conversar sobre a chuva que não para. Sobre um ano que se inicia. E então ela me disse: “eu, com os meus oitenta e sete anos...”. E eu me silenciei e perguntei: “quanto? Quantos anos a senhora tem?”. E ela me respondeu: “oitenta e sete. Por quê?”.
E eu não consegui dizer que aquilo era mágico, seja pela leveza no rosto daquela senhora, seja porque existe tanta história ali, tanta vida que a gente sente vontade de sentar, conversar, não mais ir embora. Apenas silenciar e ouvir. E logo fiz a conta: ela já viveu mais de duas e vezes e meia os meus dias! Todos os meus dias. Com certeza, a dona Adelina sabe colocar cada verbo no seu devido lugar, sabe diferenciar bravatas de poesias.
E logo me maravilhei com a possibilidade que a pessoa ali me dava em dividir um dos seus dias, todos os dias em que nos encontrávamos. E ela me pergunta da minha esposa, quais são as expectativas acerca do novo prefeito, o que eu havia feito. E eu pedia, na minha pequenez diante dessa imensidão chamada vida, que se um dia eu envelhecesse, que fosse daquela forma: com luz, amor, paz e alegria. E nada mais eu pediria... Nada mais.

Os óculos da minha avó


Os óculos da minha avó
A gente cresce, mas não esquece coisa boa que já aconteceu. Mesmo que não se repita, mesmo que seja apenas lembrança. A avó da gente é como mingau de chocolate. A gente gosta e não se importa em repetir. De ir mais de uma vez no mesmo dia dar um abraço, dizer que só ela sabe fazer aquele macarrão, aquele suco, prestar atenção em cada palavrinha que a gente fala.
A minha avó se chama Assumpta, mas como o nome é meio difícil de falar a gente chama de Vó Sunta mesmo. Ela é uma senhora de cabelinhos brancos desde o dia em que eu a conheci. E usa óculos para conseguir enxergar que neto ou bisneto está batendo em sua porta. A minha avó não se importa se eu pedir mingau logo que em sua casa eu entrar. Não importa se eu falar que quero repetir, que estou chegando para almoçar. E se alguém me perguntasse como ela é, me lembraria dos óculos e dos cabelos brancos. Mas tem muito mais. Tem tanto. Minha avó é forte, é valente, sempre atenta, consciente, muito independente. É minha avó. Avó de muitos netos, lembrando-se do aniversário de todos. Memória de avó às vezes falha, mas não esquece aniversário de neto. Isso não. Minha avó é canção, uma porção de palavrinhas que eu não consigo mensurar. Minha avó expressa àquilo que a gente insiste em declarar: “eu te amo!”.
Os óculos da minha avó sempre me lembram de que existe brilho em tudo que a gente faz, que o orgulho é o cancro dos mortais, que o melhor é abraçar quem precisa, estender as mãos para quem chega e sempre ter guardada, mesmo que seja lá no cantinho da geladeira, uma sobremesa. De preferência, mingau de chocolate.

Para o meu pai


Para o meu pai
Todo avô é altruísta
Aprendi isso com o meu pai
Aprende e renasce
No filho de seus filhos
E se coloca igual
A existência é mesmo incrível
Faz-nos iguais
Na desigualdade dos mortais

Combinado


Combinado
Vou dar um salto
E abraçar você
E figurar como alto
Baluarte das suas
E das minhas alegrias
E vou cantar poesias
E vou figurar alegorias
Hoje eu serei um ano
Mesmo só tendo um dia 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Hora apropriada para desenhos e cochilos


Hora apropriada para desenhos e cochilos
- Que alarido é esse? Um chiado que não passa e incomoda. Moda fora de contexto, onde não há um sujeito, uma série de verbos ocultos e divagações fora de hora. Que alarido é esse? O parágrafo passado repetido na frase presente. Quanta confusão. Está me atacando uma dor de dente.
- Levante a sua cabeça. Tem gente que gosta. Fazer o quê? Eu mesmo estou confuso, não compreendo. Nem sei o que dizer. Será que tem alguém que possa me explicar ou ficarei com essa cara de “o quê”? “Por quê?”
- Ninguém está disposto a escutar. E escutar é princípio básico para entender. Imagine a confusão que irá se formar... Eu mesmo estou com medo de me perder. 
- Vai estar disponível, vai estar. É só você ir lá, pegar e reler. Agora por que está voz embargada? Tem alguma coisa que você quer me dizer?
- É esse alarido, essa algazarra. Um chiado que faz a cabeça doer. São tantas demagogias e bravatas. O estômago chega a se contorcer. Sabe o que é isso? Você vai dar risada, mas eu vou dizer. É cabeça que pensa que pode ser...
- Ser o quê?
- Maior do que o próprio texto, senhora de todo o contexto, quando na verdade é planta que não germina, casa sem endereço.
- É, é complicado mesmo. Mas isso é a vida. Um texto confuso, cheio de pleonasmos, aliterações, hipérboles, ir e retroceder. A podridão do que está fresco, um cheiro azedo, um ranço que não quer recrudescer. O lado de fora é meu endereço. Deixo o alarido aqui. E só assim eu consigo respirar. Consigo sobreviver. 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Casinha de madeira


Casinha de madeira
Meu balão de festa
Minha seresta
Minha noite inteira
Vamos mudar de casa
E fazer festa em todas as segundas-feiras

A gente constrói o telhado
Com as folhas desses poemas
E deixa o chão cravejado
Com palavrinhas pequenas
Que dizem um mundão
Que muram a solidão
E não deixam a tristeza entrar

E depois a gente conta
Que lado nenhum fica sem eu e você
Entre os galhos de todas as árvores
Em um nomadismo
Que só mesmo a gente consegue entender...

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Finais de dia


Finais de dia
E então fez Sol o dia todo. E pudemos brincar. E brincar de novo. E não tinha hora para acabar, em um continuar tão gostoso como ir ver o primo, passar o dia na casa da tia. E logo do lado estava a casa da avó, com suco na geladeira. E depois a mãe da gente vinha buscar. E em casa a gente colocava o colchão na sala, escalava, subia até a última estante da prateleira. E do alto a gente pulava. Pulava tanto que chegava a dar canseira. E a fumaça entrava pela sala, no esforço quase poético do nosso pai, querendo acender o fogão a lenha.
E então sobrava tempo para descer as escadas com a caixa de papelão, onde veio a geladeira. E depois subíamos no pé de goiaba. E torcíamos para não haver mais segunda-feira. De preferência, nenhuma feira. Só sábado e domingo. E o infinito de dias de brincadeiras. E logo chegava a canseira. E a festa virava sono pesado, onde o último palco era o quarto. No ensaio onde crescer era tempo distante. Hoje materializado pela tinta desta caneta.

Quando eu morava com o meu irmão


Quando eu morava com o meu irmão
É cedo,
é bem verdade
Mas hoje foi o dia
Em que eu dormi até mais tarde
E sonhei que estávamos juntos
Dividindo o mesmo quarto
E que os nossos brinquedos se misturavam
E que líamos o mesmo livro
Comíamos no mesmo prato
E que éramos tão mais unidos
Tão mais amigos
Do que possa mostrar
Qualquer foto
Em um porta-retratos