sexta-feira, 30 de maio de 2014

Trio de dois

Trio de dois
Aos meus pais, que se dispuseram a nos compor com amor e maestria...
É difícil precisar o quanto somos nós, violões de uma corda só, dedal a se perder no tecido. O tempo é comprido, feliz daquele que versifica a vida e faz o tempo escutar.
Há pessoas que chegam quando a letra nem se fez menina, quando o violão nem começou a ser dedilhado, quando nem nasceu a rima. Nem parecem estar (mas estão!). E abraçam e se fazem amigos e de amigos se faz o som dos abraços e sorrisos. E se escutam os nomes dos primeiros riscos, dos versos de irmãos que vão nascendo, de primos que chegam para brincar. É vida, e ninguém dá conta de frear. Por isso, quem escreve sofre de uma espécie de disenteria.  E bobo é quem vai ao médico para querer se curar.
Cada um é seu tempo e o tempo é de quem sabe amar. Tempo de encontrar o ombro do pai e chorar, amar e amar a vida e ter consciência de que a gente chega na vida do outro e nem percebe que já está. A gente encontra a rima, e faz nascer o refrão, e descobre que a música não termina, que a vida deve mesmo ser canção.  
E haverá de existir público para a gente querer tocar.  Sempre mais de uma corda no violão para fazer o som que faz a rima bailar.  Porque haverá de chegar gente depois que a gente já tiver musicado, o bailado a começar. E juntam-se sapatilhas, chinelas e pés descalços e se faz do salão a morada do continuar. Da vida, a coisa mais gostosa que a gente já se dispôs a escutar.
Não sou violão sem melodia, sou o violão de Patrícias e Rafas...

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Vespertinos verbetes

Vespertinos verbetes
A secura é tortura
É a ideia que não vem
O verbo que não conjuga
A falta “d’ocê”
E de mais ninguém
É quadrilha
Sextilha, septilha
Coisa que nem sei...
É a vontade que esquadrilha
POESIA!
O que me faz querer-te tão bem...

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Um chapéu para duas cabeças

Um chapéu para duas cabeças
“Sobre o que você escreve?”, perguntava-me Paulo. Eu, sem muito pensar, respondia “Nada, nada não”, e voltava a escrever. Aí, Paulo me dizia, “não se escreve sobre o nada porque o nada tem qualquer forma, indefinida. E para escrever você precisa de uma forma, mesmo que não querida”. Eu ficava pensando: “como pode ele saber se sou que estou escrevendo?”. O leitor há de concordar que o texto pode começar a esmo, um rabisco, a vontade de falar entre as linhas do papel, rabiscando uma música, um desenho, um carrossel. Mas é de quem escreve.
Guardo os textos e me levanto. Fico de canto, imaginando-me leitor, fingindo não saber a próxima letra, nem o próximo refrão. E a pergunta de Paulo me incomoda, mastiga os meus ouvidos. Mas tantos outros já me fizeram a mesma pergunta, por que eu parei para pensar só hoje? Justo hoje que eu tinha a tarde livre. Mas que audácia do Paulo, perguntar sem calcular o perigo, não para ele, mas para mim. Eu sei que ele quer resposta… E se eu não quiser… Melhor, não puder dar? Eu listo motivos (… já deixei de ser leitor), justifico, depois releio, rabisco… Não é isso. Argumento maldito. Nem tudo tem motivo, nem todo o movimento é permitido, nem todo o verso é raciocínio… A maioria é compulsão. Essa pergunta de Paulo ainda vai me deixar absorto, preso à questão. Da próxima vez não permito, nem a ele e nem a mim.
Por que não me perguntou sobre a existência, a morte ou a solidão? Citaria frases de impacto, uma porção… Fingiria ser o autor, declamando no púlpito da verberação, mostrando a ele que perguntas (concordo, nem todas) cansam demais e quebram a criação…
         Eu, tão certo, escrevendo meus verbetes… aí vem o Paulo, indigesto, acocorar o que eu escrevi, acerbar e depois partir… foi isso o que ele fez. Deveria castigá-lo, não deixa-lo mais ler, nada, nada mais do que eu escrevo. Aí ele ia ver como é difícil explicar. A palavra é miudeza, mas é grande na frase, pedaço, parte, parte… Nada mais é devaneio. Está no papel, não nas ideias, está em folhas soltas, não nas dobras do meu travesseiro.
          Incomodado já estou, e isso não vai mudar. Eu fico pensando o que fazer, qual resposta dar? Não para o Paulo, mas para mim, sobre esse negócio de criar… “Do que eu escrevo?”. Posso escrever sobre hoje, talvez o amanhã, eu sobre você, você sobre você… quem sabe? Eu encontro um papel em branco e me ponho a escrever… Aí vem um infeliz e pergunta “do que está a escrever?”. Chapéu para duas cabeças… Isso é que é… Meus textos escondem meus olhos, revelados nos verbos, na ausência do espaço, exata melodia… Encontro os olhos de quem quer ler… Escrevo sobre o que vejo… Leitor incapaz de entender… Não me pergunte quais os motivos… o motivo é que alguém vai ler… Meus textos não são meus…