quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Um gole de café

Um  gole de café
       - Me passe o café – assim falava meu pai
       O café das nossas manhãs, na posta mesa das incertezas, nos goles secos das noites mal dormidas.
       E a xícara serpenteava pelas nossas mãos, o elo do líquido que vai ser engolido e a fatídica existência. E se o café esfria?
     Então, quase sem pensar, passava o bule, olhava o relógio, mergulhava no ócio que nem a cafeína é capaz de combater. E se o café não estiver adoçado?
      Os suicidas que me perdoem, mas a existência não é líquida… É apenas volátil, desmedida e disfarçada… Como os goles de café pela manhã, mesmo que os nossos bules não passem por tantas mãos.
       E assim era todo dia, no frenesi quase inconcebível das nossas poucas conversas, momentos em que as xícaras se esvaziavam, acabava-se o esfumaçar em nossas bocas. E, antes que notássemos, éramos como as xícaras… Sem mais nada a brindar…
       Existência, como um gole a mais. E nada pode ser mais frio que os cafés escorrendo pelas nossas reentrâncias, condenando-nos a levantar e brindar mais um dia.
       E a mesa permanecia lá, palco do caos, da pouca distância e da imensa falta de presença, como as xícaras que ainda permaneciam vazias… Apenas brindavam o óbvio.
       Por que você nunca me pediu a mão, entre verbos e transgressões? Quem sabe se estou a alguns segundos de brindar o acaso? Sorte que me apanho escrevendo, preenchendo outras xícaras… Cheias do meu café amargo...
- Por favor, um gole a mais...

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