quarta-feira, 26 de março de 2014

Todos os dias

Todos os dias
                                                        Para a minha esposa, que sabe me ler todos os dias
- Acenda o lampião! – gritava Moisés
- Eu não, acenda você! – respondia
  E a escuridão permanecia. Era difícil acreditar que aquele pequeno lampião desse conta de iluminar todo o quarto. Por isso que a gente gosta muito de noite de Lua cheia. A casa fica bem iluminada.
- Você precisa acender o lampião! Acho que tem bicho aqui.
- Sossega Moisés. Daqui a pouco ele vai embora.
 Às vezes entrava barata, rato nem se fala. Pra esses a vassoura. Para as mutucas, queimávamos fumo de corda e pronto. Bicho não fuma. Isso é coisa de gente. Eu não gosto de pernilongo, mas o Moisés exagera. Passa o tempo todo antes de dormir reclamando. “Os pernilongos não param de me morder…”. E eu, só pra provocar, respondo: “Pernilongo não morde. Vai ver que é cobra!”. E ele ficava bravo. Virava, desistia e dormia.
- Você não vai levantar mesmo?
- Eu não! Já falei pra você acender. O fósforo tá ali na mesinha.
   Aqui não chegou energia elétrica. O pessoal da vila diz que o prefeito vai colocar até o final desse ano. Duvido. A gente sabe que isso só vai acontecer no ano que vem, ano de eleição. E a gente aqui não vota. Eu mesmo nunca votei. O Moisés já. Duas vezes. Ele sabe até escrever. Por isso ele se acha mais importante do que eu.
- Vou levantar! Mas só hoje.
- Tá bom. Amanhã eu acendo.
   E a situação estava resolvida. Moisés sempre acende o lampião. Sempre. Eu dobro fácil esse caboclinho. Ele se zanga, desiste e depois dorme. No outro dia tá tudo bem. 
- Acho que não tem nada não. 
- Falei pra você! Foi embora.
  Eu gostaria de escrever. Ia fazer letra bonita. Escrever cartas pra todo mundo. Mas não sei não. Acho que eu não tenho jeito pra essas coisas… O Moisés tem! No dia que a gente vai para o mercado é ele quem faz a lista. Ele fala pra eu pegar feijão e eu vou lá e pego. Nisso eu sou bom. Pra roçar também. O Tico, vizinho da gente é quem diz: “você tem mão boa! Plantou, colheu!”
- Amanhã a gente vai pra vila.
- Eu não vou não! Tenho que consertar o chiqueiro.
  O Moisés gosta de passear. Eu de trabalhar. Talvez se fosse o inverso eu acenderia o lampião… Eu não sei não, mas acho que tem hora que ele quer ser melhor do que eu. Ah se ele falar isso pra mim. Vou ficar é nervoso. Mas isso não vai acontecer…
  A vida aqui é sempre igual. É difícil acontecer alguma coisa nova. Vez ou outra cai uma cerca. Eu vou lá, boto no lugar pra cair de novo. Assim é a vida… sempre assim…
- Moisés, Moisés?
   Já tá dormindo. Amanhã vou perguntar pra ele porque a Lua fica cheia…

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