Escritor
das coisas do mundo
- E esses papéis ai? Quem foi que te deu?
- Eu os encontrei no meio de tantos outros.
Quem os deixou lá, eu não sei. E eles pediram colo. E eu dei.
- Você personifica papéis e acha que eles
falam também?
- Mas a língua não é a escrita, em uma
porção de possibilidades de verbos e sujeitos? Nós somos a rima de uma oração
com inúmeros futuros, presentes e pretéritos, perfeitos e imperfeitos! Vamos
sem estar, olhamos sem enxergar. Escrevemos sem querer. É isso o que a
professora pediu para eu fazer.
- Ler fingindo ser você?
- E existe outra forma de ser... Quer dizer,
de ler?
- Mas cabe a interpretação, onde os olhos do
leitor são diferentes das mãos de quem se pôs a escrever...
- E você não se julga coautor da canção que
tanto gosta de ouvir?
Somos nossas letras e as letras da multidão.
- Começo a perceber que você é toda essa
papelada esparramada pelo chão!
- Sou. E sou a caixa de correio da minha
cabeça. E a minha cabeça é uma porção de outras cabeças, de ruas estreitas,
avenidas e viadutos. Sou escritor das coisas do mundo. Escritor com muitas mãos...