sexta-feira, 16 de março de 2018

Cheiro de goiaba


Os caminhos que percorro são como letras de um texto que parece ter sido escrito há tempos. Visito os verbos, rearrumo o sujeito, e nem por isso é pretérito. Nem mais do que perfeito. É a vida. E a vida tem cheiro.
Hoje os meus passos me levaram ao encontro de um cheiro tão meu, da minha meninice, do tempo em que o verde era espaço e não pedaço. Onde o quintal era extensão, não ilusão. Em uma confusão de ontem e hoje, goiabas nos galhos das árvores e no chão. Em meio ao chiado do trem, o ronronar das feras de metal, como se um pote da geleia mais gostosa que alguém poderia ter feito estivesse aberto. E tão perto! Eu quis escrever!
Todo jardim é um manifesto, pedaço de sonho em um mundo concreto. As árvores são beatas certezas diante de uma constante crueza. De um mundo que se acinzenta, das pessoas que se esquecem de que a gente é fruta na árvore, esperando o dia da colheita.
E aquele cheiro quase que me fez chorar. Porque ninguém tem compromisso em ver que entre a grade e o trem, o trabalho e o asfalto, existe um pedaço que grita... Grita e cheira: vida!
Se bem pudesse, tomaria o cheiro para mim. Guardaria como uma moeda da sorte. Em meio a esse concreto morte, pedaço verde apareceu. E as árvores todas cheias de cor e cheiro, de fruta, outrora flor. É, Deus existe sim. E aparece nos pedaços onde o orar é silêncio. O ciclo delicioso. Do rebento broto, do fruto, do gosto. Adiante tem a estação!
E a fruta cai no chão. E o pássaro come. E a minha saudade mata a fome do quintal da casa dos meus pais. E das ruas por onde normalmente não ando mais. E no meio desses milhões, encontrei um pedaço que é mais. Meu demais.
Um cheiro que molha a boca da memória. Que me faz reviver histórias. Que me faz lembrar que a gente também é fruta nessa vida. E que as sementes dessas glórias, tomadas nos percalços de um mundo inodoro, são como encontros de uma história que é divina por estar no seu estado mais simplório.
Desses pés que se ajeitam e nos lembram, mesmo que por um momento, que a gente pode até ser outro alguém. Mas sempre seremos aquilo que nos faz bem.
Sempre!



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