quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Pisando nos formigueiros

Pisando nos formigueiros
para a minha mãe, que sempre me deixou andar descalço.
Vamos combinar, viver é algo extraordinário. Falo isso porque às vezes me voltam coisas na memória que me fazem pegar o papel (o primeiro que eu encontrar), sentar e escrever. Escrever sobre viver, sobre a vida, sobre essa coisa maluca de ser. Ser o que, eu não sei... Mas ser já está de bom tamanho. E as folhas se tornam meio que um diário de folhas soltas e esparramadas. Meu diário sem capa.
E das muitas coisas que voltam a minha memória, muitas delas são lembranças da minha infância. E nem sei o porquê disso ocorrer, o porquê de tantas lembranças desta fase da minha vida. Até porque, se formos colocar em uma linha do tempo, a infância é tão pequena que chega a ser momento. Mas é sublime, é lindo... É descobrimento.
E uma das coisas que lembro me é de como queria ser outros seres. Pássaro, gato, formiga. Nossa, já quis ser formiga! Daquelas pequeninas, que parecem carregar o mundo nas costas. Que tropeçam nas reentrâncias dos nossos dedos e procuram a porta... Daquelas que a gente só vê se estiver com o olho atento, procurando algo, não necessariamente a formiga. E a gente olha para os nossos pés, bem embaixo da nossa sombra, e grita: “olha gente, VIDA!”.
Dos formigueiros que desbravei com aqueles capins-cabelo, daqueles que quando a gente puxa parece sair o formigueiro inteiro, uma coisa sempre me fascinou, me deixou tentando procurar resposta. Aviso, não me julgue idiota. Eu me maravilho com determinadas coisas mesmo. E acho que elas guardam certo tipo de segredo que a gente só descobre depois que morre, quando senta para perguntar para Deus. Perguntava-me quantas vezes as formigas reconstruiriam o formigueiro que o meu pé desatento fez questão de pisar. Quantas vezes elas iriam sair, e sem demora, recomeçar? Pedra sobre pedra, no exercício poético de que amanhã outro pé, não necessariamente o do Pedro, vai pisar. E daí, o que resta? Colocar tudo de volta no lugar.
E eu ficava pensando que aquele seria o exercício que legitimaria a vida, que torna a formiga, formiga. Ela não pensa se amanhã haverá outro pé igual ao meu sobre o seu formigueiro. Por isso ela faz para ser perfeito, para durar, ficar inteiro. E assim, utilizando talvez a filosofia da formiga, devêssemos enxergar os nossos dias. Reconstrução, seja das coisas que caíram, seja daquelas que pisamos ou pisaram em cima. E não é uma questão de rima, mas a vida carrega essa obra-prima: a possibilidade de refazer e fazer de novo.
Por isso, e talvez só por isso, viver seja tanto, apesar de aproveitarmos tão pouco. É o estender a mão, abraçar o outro, demonstrar gratidão, perdão, descobrir-se ainda não estar pronto. E pronto tentar refazer. Eu quero um dia nascer formiga. Assim, saberei das coisas que os gigantes, que porventura pisarem na minha casa, adoram fazer.

6 comentários:

  1. Muito bom meu querido...quisera tivessemos mais formigas entre nós, tão gigantes...que tão altos estamos distantes e não vemos muitas vezes os trabalhos dos pequenos errantes.
    Parabéns Pedrão

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    1. Querido Enzo, bom é tê-lo como camarada de jornada. Abraços!

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  2. Legal Pedrão, tenho lido seus contos e poesias e vc merece os parabéns, pois tenho adorado as coisas que vc tem escrito, pois aprecio muito textos curtos, mas que nos dizem alguma coisa.
    Realmente esse seu texto nos remete à nossa infância, tão bem abordada no seu texto. Parabéns Pedrão e forte abraço.

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  3. Que leitura gostosa de se fazer, leitura esta que me remeteu a infância, onde sonhar era tudo de bom, não tinha desafio que nos parassem, subir, descer, pular, correr, gritar, cantar, falar livres para sonhar.

    Parabéns Profº Pedro

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